Por Mariane Ramos Rodrigues Roman
Resumo
Neste
pequeno trabalho buscamos desenvolver um breve estudo sobre o poeta Teixeira de
Pascoaes e sua obra. Iniciaremos retomando o movimento Simbolista, em seguida
contextualizaremos o Saudosismo de Pascoaes como uma ilha na transição do
Simbolismo para o Modernismo Português. Para discorrer a respeito do pensamento
de Pascoaes e do contexto histórico do acontecimento de sua obra, nos
apoiaremos em Jorge Coutinho, Massaud Moisés, Fernandes da Fonseca, A.
Margarido e Álvaro Cardoso Gomes. Nosso objetivo é demonstrar como a poesia
pascoaesiana se configurou no cenário político de Portugal, sua relevância para
a Renascença Portuguesa e como as memórias e saudades que exalam de seus poemas
fizeram do Teixeira de Pascoais o fundador e maior representante do Saudosismo
de Portugal.
O contexto Sociocultural Português como cenário da
Saudade Pascoaesiana
Na evolução
cultural portuguesa temos como pontos importantes o Movimento Simbolista e o Movimento Modernista que
ocorrem nos fins do século XIX e início do século XX. O Simbolismo é o
percursor do Modernismo, seus planos de ação são: político, mental, moral e
literário. As obras e autores deste período abarcam todas essas quatro questões
e tem por essência o espiritualismo e a filosofia, fruto de um povo desiludido
das "verdades absolutas" vindas do cientificismo, materialismo,
positivismo e criticismo almejava a transcendência do ser. A estética tanto do
simbolismo e início do modernismo é antirrealista e são correntes literárias
que se propuseram a ir além do realismo.
A Saudade,
entendida como
“o próprio sangue
espiritual da Raça; seu estigma divino, seu perfil eterno. Claro que é a
saudade em seu sentido profundo, verdadeiro, essencial, isto é, o sentimento-ideia, a emoção refletida, onde tudo o que existe, corpo e alma, dor e
alegria, amor e desejo, terra e céu, atinge sua unidade divina. Eis a Saudade
vista em sua essência religiosa, e não em seu aspecto superficial e anedótico
de simples gosto amargo de infelizes.
(GOMES, 1994, pg. 117)
O modernismo,
já nesse ímpeto de espiritualidade, filosofia e psicologia (com o apogeu da
psicanálise), se orienta mais para a exagerada exaltação do eu e tem como
característica mais marcante a ruptura das tradições, o que vem a criar
discórdia entre o homem e o mundo real/material. Em meio a essa transição
modernismo para simbolismo temos quase que um dos grandes outros
"ismos", que por muito pouco não se consagrou, o Saudosismo que ficou entre meio a esta virada de século, seu líder
intelectual foi Teixeira de Pascoais que fez a frente num grupo intelectual em
torno da Renascença Portuguesa, ao que rejeitou as características do
simbolismo e tentou preservar algumas coisas da tradição no modernismo. A
condição de produção foi a proclamação da República em Portugal, o nacionalismo
esteve fortemente presente no simbolismo, o Saudosismo intentava recuperar
valores para integrar a realidade. A saudade no seu sentido de “sentimento
ideia” “emoção refletida” dentro do saudosismo deseja reunir o tudo numa coisa
só, uma unidade entre o homem, corpo e no saudosismo cria uma elevação ideal
quase que como uma religião. O nacionalismo é muito forte nesse período onde os
portugueses querem recuperar a Raça e cria um novo Portugal, mas as questões do
saudosismo acabaram por não passar do ideário de seu mentor o Saudosismo “não chegou a superar a
estética simbolista nem a integrar-se no Modernismo” (GOMES 1994).
A Origem Bucólica de Teixeira de Pascoais
Pseudônimo de
Joaquim Teixeira de Vasconcelos, nasceu em Gatão (Amarante), em 1877. Formado
em Direito em Coimbra (1901), entra a advogar em Amarante e no Porto. Em 1912,
dirige A Águia e torna-se figura
central do Saudosismo. De família abastada, logo se recolhe à vila natal
entregue a uma existência bucólica e idílica defronte à serra do Marão, e lá
falece em 152, cercado de admiração e prestígio (MOISES, pg. 237). Engaja no
movimento Renascença Portuguesa onde inicia sua carreira intelectual, embora
poeta desde jovem. Um visionário de obra extensa e imensurável contribuição ao
intelectualismo português.
A Obra e o pensamento de
Teixeira de Pascoaes
Podemos
dizer que Pascoaes foi um sonhador saudosista, seu apreço pela observação da
natureza e o desejo de reconectar o humano com a terra-mãe demonstram sua
tendência à retomada dos genuínos valores românticos do povo português
(Renascença Portuguesa), em meio a uma sociedade decadente do início do século
XX. Porém seus ideais fugiam um pouco do tradicionalismo fundamentalista do
movimento romântico já ultrapassado pelo realismo. Como afirma Coutinho:
Naturalmente religioso, sempre
se considerou cristão e sempre considerou o Cristianismo como a mais alta
expressão histórico-religiosa. A sua simpatia ia, porém, para o que considerava
o Cristianismo romântico ou dramático, procedente de Paulo, não para o clássico
ou romano, proveniente de Pedro e facilmente identificável com o Catolicismo.
Tanto no plano religioso como no político-ideológico e no intelectual, Pascoaes
era um espírito aberto e livre, independente e anti-dogmático, avesso a credos
estabelecidos, propenso à heresia ou à heterodoxia (COUTINHO, 1994)
Para Pascoaes, a
religiosidade e a transcendência estão ligadas intimamente com o sentido da
vida. O autor se volta também para o pensamento panteísta, buscando restaurar a
íntima relação do homem com a natureza, numa quase adoração aos seus elementos.
Nos versos do poema Canção Duma Sombra podemos notar este elemento:
Se não fosse esta
fonte que chorava
E como nós,
cantava e que secou...
E este sol que eu
comungo, de joelhos,
Eu não era o que
sou.
O poema abaixo foi
dedicado ao poeta Guerra Junqueiro, e exala melancolia, tristeza e uma saudade
que parece transcender o plano físico:
Espectros nebulosos
Remotos ascendentes
Emergem na penumbra que flutua
Toda embebida em lua
E rodeiam-me, tristes, misteriosos.
Neles me perco e me difundo...
Longe da minha idade...
E tudo, para mim, é trágica saudade.
Aqui podemos notar e ressaltar a riqueza psicológica do poeta e a maneira
como os mitos de sua infância tomam forma e se misturam com sua personalidade.
O saudosismo se mostra muito presente no poema, de forma melancólica que
demonstra que Pascoaes foi um “livro de memórias vivo, um homem-recordação, que
tudo guardava no seu íntimo museu de saudade”. (COUTINHO, 1994)
A obra pascoaesiana sofreu uma
reviravolta evolutiva quando o poeta se viu apaixonado por Leonor, em suas
palavras, “rapariga de cabelo loiros em anéis, a cercar-lhe a cabeça dourada.
Rosto ruborizado de pudor e aureolada de luminosidade divina.” (PASCOAES, 1909).
Esse amor frustrado inaugurou
uma nova fase na obra do autor, que transformou sua poesia lírica em poesia
filosófica. A obra Marânus, de 1911, vem para coroar essa nova tendência, e
também obras como Regresso ao Paraíso, Elegias, entre outras, nos dão uma
nítida ideia da dimensão poética do autor, que conseguiu refletir a estrutura
do pensamento português. Abaixo um pequeno recorte da obra Marânus:
Bela, formosa e linda, em sua
graça,
tangível e corpórea, o sangue
vivo
inundava de rósea claridade
o seu busto perfeito. Um
primitivo
ar inocente e agreste lhe
aquecia
a brancura da testa. E, nos
seus olhos
dum negro sério e místico,
sorria.
A infância, a idade de oiro. E
sua virgem,
diáfana atitude harmoniosa
subia, para o céu, da terra
escura,
num ímpeto, tão firme e
embrandecido,
que era uma estátua em mármore
e ternura.
Marânus pode ser considerada a
mais famosa obra de Pascoaes, “porque é uma daquelas em que o poeta melhor
define alguns de seus conceitos sobre a essência e a evolução do ser. Marânus é
o poema do seu ‘enamoramento’, no qual nos confronta com essa essência do ser”.
(FONSECA,2003)
O saudosismo e a religiosidade
continuam a compor seus poemas, porém agora a metafísica começa a transcender
em seu pensamento, como podemos notar em Elegia do Amor, de 1924:
Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu
braço;
E eu triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti…
...
E uma vez, quando a
noite
Amortalhava a aldeia,
Tu gritaste, de susto,
Olhando para a serra:
- Que incêndio! – E
eu, a rir,
Disse-te: - É a lua
cheia!...
E sorriste também
Do teu engano. A lua
Ergueu a branca
fronte,
Acima dos pinhais,
Tão ébria de
esplendor,
Tão casta e irmã da
tua,
Que eu beijei, sem
querer,
Seus raios virginais.
E a lua, para nós,
Os braços estendeu.
Uniu-nos num abraço,
Espiritual, profundo;
E levou-nos assim,
Com ela, até ao céu…
Mas, ai, tu não
voltaste
E eu regressei ao
mundo.
Essa elegia traz o saudosismo
pascoaesiano nos versos carregados de memórias e saudades. A natureza também se
faz presente na figura da lua, que traz toda a espiritualidade panteística do
poeta. A lua é tomada como um quase deus, que pode enlevar o Eu Lírico ao ‘céu’.
Margarido (1966) afirma que o
autor “busca descortinar nos seres passados, os elementos que dão forma à
intencionalidade da consciência e que pelo seu significado simbólico podem até
fazer prever o futuro. E isso é simultaneamente criatividade poética e
criatividade filosófica”.
Como se viu, Pascoaes se
configura como fundador do pensamento saudosista, e constrói uma “ilha”
literária entre o simbolismo e o modernismo, pois nega os ideais do primeiro e
é alheio às inquietações que lançam os fundamentos do segundo. Moisés (1972),
afirma que “... para o poeta, tudo se concentra no sentimento difuso, vago e
agridoce, da saudade, de que deriva um estado místico e metafísico ao mesmo
tempo, porque a saudade tem nele sentido etéreo, inespacial e intemporal: é o homem
perante o destino, perante a saudade.”
Ainda segundo Moisés (1972), a
poesia de Pascoaes não exerceu grande influência em seu tempo, pois estava
dissociada dos compromissos e tendências da cultura e da sociedade da época, dividindo
assim a crítica entre aqueles que o colocam logo após Camões e aqueles mais
comedidos, que reconhecem seu valor, porém longe da grandeza de autores como
Camões, Antero ou Fernando Pessoa. A verdade é que não podemos negar sua genial
intuição poética que o faz merecer lugar privilegiado na história da Literatura
Portuguesa.
Referências
MOISÉS, M. A Literatura Portuguesa. Cultrix. São Paulo, 1972.
MARGARIDO, A. Teixeira de Pascoaes – a obra e o homem. Arcádia. Lisboa,
1966.
FONSECA, A. F. Teixeira de Pascoaes, o Poeta Filósofo. Universidade do
Porto. Porto, 2003.
COUTINHO, J. O Pensamento de Teixeira de Pascoaes – estudo hermenêutico e
crítico. Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia de Braga. Braga, 1994
GOMES, A. C. A Literatura Portuguesa em Perspectiva. Atlas. São Paulo,1994.
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